Fernando Pessoa era
do signo de Gêmeos, e de todas os poemas que fez, incluindo aqui, “Iniciação” e
“Liberdade”, nenhum transmitiu mais conhecimento, ainda que velado, do que
este. E no signo de Gêmeos ele caprichou. Embora à primeira vista, é óbvio que,
neste conjunto de 12 poemas, Fernando Pessoa abordou a epopeia dos Descobrimentos
Portugueses através de algumas das suas figuras mais proeminentes, quer reais,
quer míticas, quer simbólicas, tais como o Infante D. Henrique, Vasco da Gama,
Fernão de Magalhães, Bartolomeu Dias, o Mostrengo, etc., mas jamais deixou o
cunho espiritual e místico a que essa obra (“Mar Portuguez”), até por ser de Fernando Pessoa, requer.
Por
Martha Cibelli
Poema
III correspondente ao 3º signo, Gêmeos
III
– Padrão
(13
de Setembro de 1918)
O
esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu,
Diogo Cão, navegador, deixei
Este
padrão ao pé do areal moreno
E
para diante naveguei.
A
alma é divina e a obra é imperfeita.
Este
padrão sinala ao vento e aos céus
Que,
da obra ousada, é minha a parte feita:
O
por-fazer é só com Deus.
E
ao imenso e possível oceano
Ensinam
estas quinas, que aqui vês,
Que
o mar com fim será grego ou romano:
O
mar sem fim é portuguez.
E
a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E
faz a febre em mim de navegar
Só
encontrará de Deus na eterna calma
O
porto sempre por achar.
O aspecto mais
interesse deste poema é fato de ser o único em que o autor - apesar de se
identificar com a figura de Diogo Cão - se expressa na primeira pessoa. Esta exceção
deve-se, decerto, à circunstância de Padrão corresponder a Gêmeos, o signo
natal de Fernando Pessoa (13-6-1888, 15:20 h de Lisboa).
Quando se descreve o
signo de Gêmeos costuma referir-se a sua acentuada mutabilidade e dispersão, assim
como a tendência para intelectualizar as experiências.
Com base nestes
parâmetros, veja-se, então, como Fernando Pessoa se definiu a si próprio:
Cumpre-me agora dizer
que espécie de homem sou. (...) Toda a constituição do meu espírito é de hesitação
e dúvida. Para mim, nada é nem pode ser positivo; todas as coisas oscilam em
torno de mim, e eu com elas, incerto para mim próprio. Tudo para mim é
incoerência e mutação. Tudo é mistério, e tudo é prenhe de significado. Todas
as coisas são «desconhecidas», símbolos do Desconhecido. O resultado é horror,
mistério, um medo por demais inteligente. (...) Todo o meu caráter consiste no
ódio, no horror e na incapacidade que impregna tudo aquilo que sou, física e
mentalmente, para atos decisivos, para pensamentos definidos. Jamais tive uma
decisão nascida do autodomínio, jamais traí externamente uma vontade consciente.
Os meus escritos, todos eles ficaram por acabar; sempre se interpunham novos
pensamentos, extraordinários, inexpulsáveis associações de ideias cujo termo
era o infinito. Não posso evitar o ódio que os meus pensamentos têm a acabar
seja o que for; uma coisa simples suscita dez mil pensamentos, e destes dez mil
pensamentos brotam dez mil inter-associações, e não tenho força de vontade para
os eliminar ou deter, nem para os reunir num só pensamento central em que se
percam os pormenores sem importância mas a ele associados. (...) O meu caráter
é tal que detesto o começo e o fim das coisas, pois são pontos definidos.
(...).
De fato, notável! Tu,
que adoras definições, poderás investigar os inúmeros compêndios de astrologia disponíveis
nas livrarias; contudo, atrevo-me a dizer que dificilmente encontrarás uma
descrição que melhor defina o arquétipo Gêmeos.
*
* *
Em Padrão, mais uma
vez, Fernando Pessoa usa as navegações, os marinheiros e as viagens pelos maravilhosos
mares ignotos desse planeta para falar da sua «viagem» espiritual. Di-lo,
claramente, no primeiro verso da primeira estrofe. Decerto baseado na sabedoria
adquirida por via da inevitável renúncia do mundo e das suas vãs glórias,
reconhece:
O
esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu,
Diogo Cão, navegador, deixei
Este
padrão ao pé do areal moreno
E
para diante naveguei.
Porém, destes mesmos
versos - que assinalam a propensão geminiana de se movimentar permanentemente para
diante - pode tirar-se um outro significado. Vejamos: nesta estrofe, Fernando
Pessoa identifica-se com Diogo Cão e confessa-se navegador, o que é uma forma
de se reconhecer como um pesquisador peregrino das rotas (Mar, Peixes,
Portugal, Espírito) que conduzem à Origem. E, lembrando-se do monumento de
pedra (padrão!) que os Portugueses erguiam e deixavam nas terras que iam
descobrindo, diz:
O
esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu,
Diogo Cão, navegador, deixei
Este
padrão ao pé do areal moreno
E
para diante naveguei.
Tentemos traduzir:
1) O termo padrão -
que, ao dar nome ao poema, reforça a sua regência sobre ele - certamente poderá
ser entendido como o próprio trabalho literário do poeta. Este trabalho é essa obra de incrível beleza, originalidade e
profundidade que deixou nesse planeta, particularmente o livro, Mensagem, ao
qual pertencem estes 12 poemas, cuja análise astrológica te envio desde
este “assento etéreo onde subi”, como diria Camões.
2) A expressão - ao pé do areal moreno – é, seguramente,
sinônimo das praias desse Portugal à beira mar plantado onde nasceste, as quais
se tornaram célebres por terem assistido, durante séculos, à presença angustiada
dos seres humanos, principalmente mulheres, que ficavam pregadas no areal,
angustiadas e chorosas, olhando o horizonte, depois de terem visto zarpar os
seus maridos e filhos.
Um parêntesis: Embora
seja matéria do 10º poema (Mar Portuguez) - quiçá o mais belo e conhecido dos
12 que fazem parte deste conjunto - cabe transcrever como Fernando Pessoa
expressou este drama, que ainda hoje continua a desenrolar-se no areal moreno
de Portugal:
Ó
mar salgado, quanto do teu sal
São
lágrimas de Portugal!
Por
te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos
filhos em vão rezaram!
Quantas
noivas ficaram por casar
Para
que fosses nosso, ó mar!
3) A expressão - E para diante naveguei - poderá ser
interpretada, sem dúvida, como uma forma de Fernando Pessoa dizer que cumpriu a
tarefa a que se propusera. Ou seja, escreveu e avisou o que havia para escrever
e para avisar. Depois, como convém a qualquer ser humano, não se apegou à sua
criação e seguiu para diante, em busca de novas «rotas», novas «terras», novos
«portos». Assim se purificou, sabendo que haveria de continuar a evolução noutras
dimensões, tendo como objetivo último a Luz Suprema.
E, como se a primeira
estrofe não bastasse para confessar o objetivo a que dedicou toda a sua vida, começa
a segunda retomando o mote espiritual:
A
alma é divina e a obra é imperfeita.
Este
padrão sinala ao vento e aos céus
Que,
da obra ousada, é minha a parte feita:
O
por-fazer é só com Deus.
Quer o poeta dizer,
certamente, que os humanos não podem fazer tudo. (Bom, não podem fazer tudo, mas
podem fazer muito para que a obra, ainda imperfeita, se torne divina como a
alma!).
Mas, seja como for,
eu, Pólux, desde aqui, desde esta vibração que sou, te garanto que, realmente, os humanos não podem fazer tudo!
A partir do momento
em que – apesar de serem seres cósmicos altamente desenvolvidos – tenham decidido
desacelerar a vibração da vossa energia fazendo-a baixar para essa terceira
dimensão, ou seja, desde que a vossa alma, apesar de divina, tenha de se
confrontar com o peso da matéria, só poderão fazer o que estiver ao vosso
alcance.
Por isso, a obra é
imperfeita!
Mas, apesar de tudo,
o que é que está ao vosso alcance?
O que está ao vosso
alcance é usarem o livre-arbítrio da única maneira que vos é favorável, escolhendo a via da dedicação ao aprofundamento espiritual!
Esta escolha é fundamental para que, um dia, depois de eons de tempo, se
libertem desse mesmo livre-arbítrio e, finalmente, possam fazer a vontade do
Pai sem se entregarem a apreciações intelectuais sobre se essa Vontade Superior
coincide ou não com a vossa vontade inferior!
O que está ao vosso
alcance é preferir usar o amor para embeber os vossos pensamentos e atos, para que,
finalmente, se acabem de vez todas as discórdias e desacordos, todas a
desafinações que derivam de alma não conseguir afinar a personalidade pelo tom,
puro, que vibra na Origem.
O que está ao vosso
alcance é tornarem sagrada a vossa consciência terrena, fazerem com que ela
seja à imagem e semelhança da vossa Consciência Cósmica.
Isto é conseguido,
naturalmente, desde que usem «o livre-arbítrio da única maneira que vos é
favorável, escolhendo a via da dedicação ao aprofundamento espiritual» e
prefiram «usar o amor para embeber os vossos pensamentos e atos, para que,
finalmente, se acabem de vez todas as discórdias e desacordos»!
Tudo isto está,
perfeitamente ao vosso alcance... mas é preciso que seja alcançado!
Convirá, pois, não
perder de vista aquilo que acordaram fazer quando decidiram encarnar, outra
vez, nesse planeta:
- fazer com que a
alma deixe de enfrentar as sombras criadas pelo ego;
- convidar a
personalidade a reconhecer que faz parte de um ser cuja origem é divina.
Estas duas das
condições nucleares são fundamentais ao processo de ascensão que vos facilitará
o retorno à Fonte de onde saíram para reassumirem a prática da vossa verdadeira
essência.
*
* *
Ainda nesta segunda
estrofe, Pessoa, considerando a sua obra com a consciência tranquila, garante:
A
alma é divina e a obra é imperfeita.
Este
padrão sinala ao vento e aos céus
Que,
da obra ousada, é minha a parte feita:
O
por-fazer é só com Deus.
Sim, da obra ousada,
ele fez o que era possível ser feito.
Acima, eu disse:
“tudo isto está perfeitamente ao vosso alcance... mas é preciso que seja
alcançado!”
Ora, Fernando Pessoa
alcançou o que estava perfeitamente ao seu alcance!
Se mais não fez foi
porque O por-fazer é só com Deus.
*
* *
Este último verso da
segunda estrofe, refere a Fonte de todas a humanidades e de tudo o resto que existe.
Trata-se, como é sabido, do Criador, neste caso sob a denominação Deus.
Ora bem, o signo
complementar de Gêmeos (3), é Sagitário (9), o Iluminador do Caminho, o modelo
do Mestre, do Guru, do Hierofante (do grego hierophántes, «sabedor de uma
ciência ou de um mistério»). Dito de outra forma, Sagitário é, precisamente, o
arquétipo que tem como função religar as criaturas à sua Origem - seja qual for
o nome que se lhe dê – o que ele faz ensinando a reconhecer o que se esconde
por detrás das aparências.
O Centauro
Arqueiro treina-se para acertar no alvo do significado profundo, abstrato,
filosófico e metafísico daquilo que acontece.
E já que, a propósito
de Sagitário, estamos a falar de Deus, o Supremo Senhor do Universo,
relembremos que Sagitário, é regido por Júpiter/Zeus, o Supremo Senhor do
Olimpo!
*
* *
O segundo verso desta
estrofe...
A
alma é divina e a obra é imperfeita.
Este
padrão sinala ao vento e aos céus
Que,
da obra ousada, é minha a parte feita:
O
por-fazer é só com Deus.
...refere,
claramente, os elementos dos signos que integram este eixo de signos – Gêmeos e
Sagitário – isto é, o Ar (vento) e o Fogo (Céus), respectivamente.
A associação entre o
elemento Ar e o vento é óbvia. Todavia, o mesmo poderá não acontecer com a conexão
Fogo/Céus. Se te parece que o Fogo tem uma relação longínqua com Céus, afina a
tua mente para a vibração espiritual e lembra-te do Fogo Criador do Pai.
Mas, se preferires,
afina-a para a vibração mitológica e lembra-te que Zeus, o Senhor dos Céus, usa
o Raio cada vez que se aborrece. Olha, já várias vezes o vi com esse estado de
espírito e devo dizer-te que mete respeito. É claro que, visto desde aí de
baixo, o espetáculo dos relâmpagos, é bastante apreciável!
Disse que já vi Zeus
sob um estado de espírito aborrecido, aquela disposição que o leva a usar o
Raio violentamente. Porém, isto é, apenas, uma forma de dizer. Na verdade, o
espírito só tem um estado, o qual não tem, evidentemente, nada a ver com o
aborrecimento!
*
* *
Padrão é o terceiro
poema deste conjunto, tal como Gêmeos, é o terceiro signo do Zodíaco, o qual, como
já sabes, é o signo de nascimento de Fernando Pessoa.
Podemos, então,
recuperar aqui a terceira pessoa da Santíssima Trindade, essa vibração a que a
Igreja Católica resolveu chamar Espírito Santo... embora devesse ser conhecida
como Mãe - esse manto de estrelas onde o Universo se envolve - pois uma família
composta por um Pai, um Filho e uma Pomba é algo que dá que pensar.
Seja como for, Mãe,
Pomba ou Espírito Santo são tudo nomes que definem algo, e nomes que definem algo
são coisas que só existem aí na Terra, uma escola cujos alunos adoram
definições!
Aqui, na dimensão
onde estou, por exemplo, os nomes não definem, identificam.
Mas isso não vem ao
caso, agora. Recuperemos, então, essa terceira pessoa da Santíssima Trindade para
a reconhecer como a Voz Muda que emite o Som Silencioso de Cristo.
Se a designação -
Espírito Santo - define que o Espírito é Santo, então, seguir a via do Espírito
nada mais deveria ser do que reconhecer, aceitar e praticar as qualidades do
Espírito.
Achas que seres
Santo, como o Espírito é, não está ao teu alcance?
Tens razão
se achas que não está. Porém, não é pelo juízo que fazes: não está ao teu
alcance ser Santo porque tu não podes alcançar uma coisa que, na Origem, já és!
Seguir, na Terra, a
via do Espírito é viver como se fosse possível experimentar aí, plena e
integralmente, todas a qualidades do Verdadeiro Espírito.
Já sabes que não é!
Mas é possível viver como se fosse!
Trata-se de preferir,
conscientemente, uma espécie de fingimento útil e deixar para trás todos os
fingimentos inúteis. Sim, meu irmão, aí na Terra as máscaras são inevitáveis.
Fernando Pessoa sabia
que, embora a fingir, (sim, «o poeta é um fingidor»...!), o Caminho é individual e solitário. Ele o diz:
E
a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E
faz a febre em mim de navegar
Só
encontrará de Deus na eterna calma
O
porto sempre por achar.
Talvez por isso,
Pessoa tenha optado pelo discurso na primeira pessoa do singular. Ao falar
diretamente de si próprio, talvez tenha querido aproximar-se mais intimamente
do leitor, na esperança de que essa proximidade ajudasse a reconhecer a
premência - e a importância! - de trocar todas as perguntas por UMA só
resposta. Talvez tenha pensado que a denúncia da sua experiência pessoal (ainda
que cifrada na poesia) incentivasse outros a seguir-lhe o exemplo.
Talvez... talvez...
apesar de a febre (...) de navegar que nele havia (devida ao que lhe ia na
alma)!
Isso certamente ter
ensinou que quem tiver a coragem de lançar a sua consciência em direção ao céu...
Só
encontrará de Deus na eterna calma
O
porto sempre por achar.
*
* *
Para aliviar um pouco
a densidade desta prosa, vamos brincar um bocadinho com as primeiras e últimas palavras
deste Padrão.
É sabido que nós, os
deuses, não te pedem aquilo que facilmente podes realizar; isso seria
equivalente a uma condenação a ficares encalhado no mesmo lugar. Se
permitíssemos tal coisa, esse universo terreno estaria muito mais cristalizado
do que já está.
Todos vocês sabem
(embora muitos prefiram esquecer), que só afrontando os desafios é que a Roda, individual
e coletiva, se mantém em movimento. Fernando Pessoa, mais do que ninguém sabia
disso.
Assim, as primeiras
palavras deste Padrão...
O
esforço é grande e o homem é pequeno
e
as últimas:
O
porto sempre por achar.
...proporcionam o
seguinte arranjo:
O
esforço é grande, o homem é pequeno e o porto está sempre por achar.
Embora eu, Pólux, não
seja propriamente uma pessoa, pessoalmente discordo.
O que pensará
Fernando Pessoa acerca disto, agora que o seu porto já não está por achar?
Quando o vir por
aqui, hei-de perguntar-lhe.
A
Astrologia nos 12 poemas de
«Mar
Portuguez» (Mensagem), de Fernando Pessoa
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Elaborado e divulgado pelo espaço Astrologia_autoconhecimento
Por Martha Cibelli
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